Tratava-se da vigésima sétima festa da orelheira e do fumeiro em Cabeceiras de Basto, um festival de três dias que celebra as maravilhas do fumeiro e das orelhas de porco. Como é que não podíamos ir? Para sermos honestos, não era a primeira vez que caíamos no canto da sereia, por isso não tínhamos ninguém para culpar a não ser nós próprios se tudo corresse mal.

Penso em Cabeceiras como estando no limite do país selvagem. No nosso mapa, situa-se mesmo por baixo do "g" onde se lê "Here be Dragons". Aninha-se como abrigo numa ferradura de colinas escarpadas, sendo a mais setentrional das cidades das antigas Terras de Basto, uma zona judicial medieval. Por vezes, parece que ainda estamos no século XIII. Quer dizer, uma festa dedicada às orelhas de porco fumadas não parece pertencer à era do TikTok e do ChatGPT. Nós próprios vivemos na região das Terras de Basto e, mesmo para nós, Cabeceiras parece diferente.

O Leilão de Orelheiras foi um dos pontos altos do último dia, juntamente com a Chega de Bois. Esta última recusamo-nos a participar, pois não queremos ver dois touros assustados a lutar entre si para divertimento de uma multidão numa tarde de domingo. O Leilão, por outro lado, é muito mais a nossa ideia de entretenimento. Quando chegámos, estava tudo muito festivo, apesar do vento frio de leste que soprava da serra. Vários ranchos de folclore desfilavam à moda minhota no exterior do salão, ao som do habitual acordeão, e foi com agrado que constatei que alguns homens de uma certa idade usavam chapéus de abas largas, que lembravam uma época anterior, em vez dos mais comuns bonés. Tudo parecia bastante animado, mesmo quando um grupo de folcloristas femininas ocupou as casas de banho masculinas para ajustar urgentemente os trajes e um grupo de homens com próstatas dilatadas ficou - ou melhor, balançou sobre as pernas cruzadas - à porta com sorrisos ridículos.

Créditos: Imagem fornecida; Autor: Fitch O'Connell;

Dentro do pavilhão, havia dezenas de barracas com vendedores que vendiam todas as delícias do fumeiro. Sou um grande apreciador de fumeiro e os portugueses são exímios no seu ofício e, perante nós, havia chouriços de todos os tipos, bentrulho, celeiradas, bolachos, alheira, presunto, farinheira, sangueira, faceira, orelheira e cabeça, morcela, gaiteiro e, o meu preferido,salpicão. Mas havia, claro, o habitual buraco. Nunca percebi bem porque é que os portugueses nunca gostaram de peixe fumado. O peixe fumado enquadrava-se perfeitamente no seu amor pelo marisco e na sua habilidade com o fumeiro, pelo que parece haver uma lacuna inexplicável na sua cozinha. Talvez eu deva ajudar a preenchê-la. Vejamos: passo 1, Como Construir uma Casa de Fumo.

Havia também muitas bancas que vendiam outras coisas para além de partes do porco, embora a única que nos chamou a atenção vendesse mel local e produtos à base de mel. Notámos, de passagem, que a pequena banca denominada Therapy Doces não estava a ir muito bem e que as duas jovens mulheres que promoviam avidamente os seus produtos estavam a ser ignoradas por quase toda a gente. Por outro lado, a grande banca chamada Palácio de Gomas estava completamente apinhada de crianças pequenas e dos seus pais com um ar frenético. Comprámos salpicão (claro) e alheira, e mais quatro sacos de guloseimas para levar para casa. Assim, as nossas refeições estão resolvidas por uns tempos.

Leilão

Quando o leilão começou, os grupos de homens que se encontravam à volta das mesas de petiscos a partilhar garrafas de vinho tinto desde que chegámos já estavam muito bem dispostos. Sendo o período pós-almoço de domingo, muitas pessoas - homens e mulheres (e provavelmente algumas crianças também) - andavam com aquele sorriso benéfico que resulta de terem jantado e bebido bem e, como resultado, o leilão decorreu numa névoa de boa vontade alcoólica e jocosidade. As orelheiras que estavam a ser leiloadas estavam, infelizmente, todas embaladas em sacos de plástico brancos, embora o leiloeiro levantasse uma orelheira de vez em quando, só para lembrar aos seus clientes confusos o que estavam a licitar. Ele gritava com entusiasmo ao microfone e eu não conseguia perceber uma única palavra do que ele dizia. Isto não é invulgar. Já estive em leilões na Grã-Bretanha e não percebi uma única palavra do leiloeiro. Faz tudo parte da mística.

Créditos: Imagem fornecida; Autor: Fitch O'Connell;

Orelheira traduz-se literalmente como "abafador de orelhas". Neste caso, o que estava a ser vendido era um par de orelhas ligadas pela pele que as une. Vimos um apostador tirar um abafador de orelhas do saco que tinha comprado e colocá-lo na cabeça, para gritos de alegria dos seus companheiros que, claro, nunca tinham visto tal coisa antes. Pelo menos nos últimos cinco minutos. Bem, tudo isto foi muito divertido, mas achámos melhor ir embora antes que o brilho rosado do vinho tinto passasse e a fase seguinte de embriaguez, um pouco ratada, se instalasse.

Obrigado, Cabeceiras. Não desiludiram.


Author

Fitch is a retired teacher trainer and academic writer who has lived in northern Portugal for over 30 years. Author of 'Rice & Chips', irreverent glimpses into Portugal, and other books.

Fitch O'Connell